10 anos sem Vicente Salles

Há exatos 10 anos perdíamos Vicente Salles, o mais emérito dos pesquisadores da Amazônia. Afeito aos livros e papeis, Vicente era filho de um casal de cearenses que migrou para a zona bragantina, o rábula Clóvis de Mello Salles e da dona de casa Maria Cristina Passos Salles. Nasceu na vila de Caripi, em Igarapé Açu, no nordesde do Pará. Ganhou o nome de Juarimbu, por conta do povo Tembé que vivia nas proximidades. Cresceu entre os livros, entre as histórias de Cervantes e o cordel e o repente dos amigos de seus pais. Ai nascia sua paixão pela música, as modinhas cantadas pela mãe e pelo conversório dos adultos. Atinou de fato pela literatura e pelo folclore do Pará quando topou com o poeta Bruno de Menezes, que o introduziu nos grupos populares de Belém, batuques, pássaros e bumbás, e o levou também para o Suplemento Literário da Província do Pará. Chegou a conviver com aquele pessoal da pesada, como Nunes Pereira, Jacques Flores, De Campos Ribeiro. Apaixonado pelo universo das tipografias e da redação, chegou a editar um jornal datilografado chamado "Ibirapitanga", com o pseudônimo Juarimbu Tabajara e publicou muitos poemas, cheios de arroubos de juventude, desde 1951, com os pseudônimos Leonardo Lessa e Juarimbu Tabajara. Em 1954, em companhia de Bruno (sempre!) conheceu Édison Carneiro, que na época fazia uma pesquisa sobre os pássaros juninos e os bois bumbás de Belém. Aí recebeu aquele pedido que mudaria sua vida e a escrita dos estudos sobre escravidão negra na Amazônia. Carneiro pediu ao Vicente um levantamento dos terreiros de Belém. Pouca gente, quase nenhuma, tinha se aventurado na empreitada. Gastão Vieira nos anos 30, Levy Hall de Moura nos anos 40, tudo muito de passagem. Com esses dados enviados por Vicente, Carneiro ampliou sua pesquisa sobre a religiosidade do negro no Brasil, estudos que, na época, não passavam do Maranhão, dado o fardo historiográfico que então se acreditava da irrelevância da presença negra na Amazônia. Naquele mesmo ano de 54, Salles mudou para o Rio de Janeiro para trabalhar e cursar faculdade de Ciências Sociais na Universidade do Brasil (atual UFRJ). Teve, nesse período, o apoio do historiador Arthur Cezar Ferreira Reis e tornou-se amigo da escritora Eneida de Moraes, que lhe abriu as portas da imprensa carioca, como fez com tanta gente, inclusive com Dalcídio Jurandir. Em 1965, casa-se com Marena, violinista de responsa, companheira de vida de estudos, especialmente na área da música. Há que se dizer que Vicente Salles possui uma obra de caráter enciclopédico, pois é raro um tema na história da cultura na Amazônia que não tenha tocado com maestria, do erudito ao popular, da imprensa ao teatro, do folclore ao artesanato, da cachaça à pajelança. Sua obra, muito conhecida, estudada, e muitas vezes copiada. Um misto de pesquisador, professor e militante da cultura, Vicente esteve à frente das campanhas de defesa do folclore brasileiro, onde trabalhou com Edison Carneiro, Renato Almeida, Bráulio Nascimento. Atuou em muitos conselhos, sociedades culturais e artísticas, museus e bibliotecas, e a partir dos anos 70, participou de vários projetos culturais que resultaram na publicação do Atlas Cultural do Brasil, além de iniciar a produção de discos da coleção Documentário Sonoro do Folclore Brasileiro. Em 1990 aposentou-se do Ministério da Cultura, teve uma espécie de retorno a Belém, participou muito do projeto Preamar ao tempo de Paes Loureiro, ministrando cursos e formando gestores culturais. Entre 1996 e 1997, dirigiu o Museu da Universidade Federal do Pará, que hoje guarda sua imensa coleção, de livros, discos, fitas cassetes e magnetônicas à partituras, recortes de jornais, folhetos e raridades bibliográficas. Em 2011, numa linda cerimônia, recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Pará. Junto com Alessandra Mafra, que estuda sua obra, escrevi um texto para uma coletânea de homenagem a ele, organizada por Regina Maneschy. Memórias com ele tenho muitas e um brinde de ele ter escrito uma apresentação do meu livro A cidade dos encantados, no qual tanto devo a obra do mestre. Vicente Salles, saudades! Por Aldrin Moura de Figueiredo - Historiador

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